O silêncio é frio… glacial.
Quebramos o silêncio como se estilhaçássemos um objecto de cristal.
Ou rompemo-lo como se nos desembaraçássemos de algo que nos asfixia.
Quebrar e romper são já verbos significativos da angústia causada pelo silêncio. Não há nada mais desagradável numa relação a dois do que esse inimigo. Um belo dia, entre um homem e uma mulher, instala-se o silêncio. Quem é que o provocou? E agora, como escorraçá-lo?
Em primeiro lugar, há que tentar decifrá-lo. Isto porque o silêncio é também uma forma de comunicação. As palavras informam-nos, mas o silêncio também e a mensagem deste é sempre a de que algo está mal, muito mal...
Que sentimentos associamos ao silêncio? A intimidação, sem dúvida. Quando alguém nos intimida, quando receamos ser nós próprios frente ao outro, calamo-nos. Ou o respeito, que nos obriga a controlar e a não responder o que julgaríamos mais apropriado. Mas o silêncio também pode significar hostilidade ou desdém. Ou ainda medo, talvez desinteresse, o tal “não vale a pena falar porque de nada adianta”.
Quebrar o gelo
A falta de diálogo é recente ou sempre existiu? Procure um parceiro que goste de manter conversas profundas e abertas
Você é comunicativa e expansiva? Antes de criticar alguém, avalie-se a si própria, mergulhe na sua intimidade e olhe para si mesma
A mudança de interesses levou-os a um afastamento? Partilhe sempre uma actividade de modo a segurar a relação
Sempre que surgir um problema profundo, aborde-o o mais cedo possível. Não faça de conta que não se passa nada
Se é algo passageiro, deixe o outro respirar. Todos nós precisamos de um tempo de reflexão. Não o sufoque nem o pressione
Não se sirva dos filhos como intermediários. As crianças não merecem passar por essas situações
Regressar a casa é um pesadelo? Se chegou ao limite, é preferível romper. Nada é mais penoso do que a solidão a dois
Entre duas pessoas que se querem, o silêncio nunca foi de ouro, contrariando o provérbio popular. É quase sempre sinónimo de solidão e de dor, de um problema mal resolvido, que só tende a piorar porque ignorado. Não tem nada a ver com o silêncio bom, aquele a que nos votamos de vez em quando, sempre que precisamos de estar mais isolados dos outros, bem debruçados sobre a nossa intimidade. Porém, quando em vez do tal intervalo necessário, temos à nossa frente uma enorme barreira, a qual nos impede de aceder ao outro, aí, esse isolamento já é massacrante. E se a situação de incomunicabilidade se passar debaixo do mesmo tecto, pior ainda. Quem é que gosta de viver agredido pelo silêncio do outro?
A crise do silêncio tem de ter um motivo e ser passível de análise. Só através do diálogo podemos perceber as razões subjacentes à atitude. Uma vez que é impossível aceder à mente do outro, temos mesmo de arriscar e partir para a conversa. E o que nos impede, então, de falarmos como dois adultos civilizados? Talvez o orgulho ou o medo de reconhecer os próprios erros, certamente o não querer dar o braço a torcer, mas também a vaidade de querer ter sempre razão, de ficar sempre por cima e ter a última palavra. Ou o medo de não sermos compreendidos, o receio de que o outro se ria de nós, nos ache ridículos. No fundo, uma chuva de pequenos motivos que nos bloqueiam.
Tipos de silêncio
Punitivo. Surge como punição do outro, ignorando-o totalmente. É de perder a cabeça, principalmente quando o visado desconhece o motivo de tal atitude
Culpado. É um mecanismo de defesa, quando um dos parceiros tem a consciência pesada. Prefere isolar-se e, ao fazê-lo, transmite insegurança e desconfiança no outro
Ofendido. Como retaliação a uma grosseria
Tédio. Surge quando já não há afinidade, quando o projecto de vida em comum deixou de fazer sentido para ambos
Intimidado. Acontece quando se receia ser julgado. As pessoas preferem calar-se e tornar-se invisíveis, com receio das críticas
Implicativo. Visa somente picar o outro
SOS. É um pedido de ajuda e de atenção
Magoado. Nasce de situações desagradáveis que, se não forem saradas, podem inverter o sentimento em rancor e raiva
Defensivo. Próprio dos tímidos e dos mais frágeis
Desesperado. É o último recurso de quem entra no silêncio porque sente que já esgotou todas as palavras
Indiferente. O pior de todos. Acontece quando já tudo morreu na relação
Desprezo. É uma amargura que não se verbaliza, mas agride como chicotadas
Chegámos ao fim. Quando não se tem coragem para pôr fim a uma relação, o silêncio significa: “Se não te atendo, se não te procuro, é porque tudo acabou”
Birra. Algo imaturo mas pouco danoso, porque passageiro
Controlador. Falso mistério que apenas visa prender o outro à curiosidade de um mutismo inexplicável
Sádico. Praticado por pessoas que sentem prazer em torturar as outras pelo gosto de um jogo perverso
Seria sensato pensarmos que dialogar é diferente de discutir. Num diálogo, é necessário falar e saber ouvir. Alguém disse um dia, acertadamente, que o diálogo é uma estrada de duplo sentido e não uma via única. Convém perceber as ideias e os argumentos apresentados, fazer um esforço de compreensão e não se artilhar para um ataque impiedoso. Aí, já entramos no campo da discussão, onde cada um está cheio de si mesmo e se acha dono da razão. Entre dois egos orgulhosos não é possível chegar ao diálogo, mas antes ao solilóquio do arrasamento, do estilo: “és tão infantil”, “o que dizes não tem qualquer fundamento”, “pareces louca”, “devias falar com um psiquiatra”, “cresce mas é!”
Ouvir este tipo de comentários magoa e enraivece. A discussão é uma luta implacável que só permite um vencedor. Já o diálogo proporciona uma linguagem mais tranquila porque ambos estão sintonizados na afinação do problema, ou seja, os dois mantêm uma abertura face à crise: “Vamos conversar. O que se passa contigo? Disse-te alguma coisa que te magoou? Vá, não fiques assim. Deita tudo cá para fora. Sabes que és a pessoa mais importante da minha vida.”
Apenas o diálogo vence o silêncio. Parece básico, mas é verdade. No entanto, este tem de ser feito de autenticidade e não de palavras vazias. Só com este instrumento, o diálogo, podemos descobrir o que se passa na mente do outro, os porquês de ter entrado no silêncio. Para que o casal cresça, ambos têm de renunciar ao orgulho, à arrogância, à detenção da verdade única. No fundo, há sempre razões de parte a parte e é esclarecendo todos os dissabores que se constrói de novo a relação. Não é um exercício fácil, uma vez que esta exige uma atenção incansável e um cuidado constante.
Ter uma pessoa a partilhar a nossa vida é algo maravilhoso, já que ninguém gosta de estar sozinho. Daí que tenhamos de aprender a lidar com opiniões diferentes da nossa sem que isso seja uma derrota, mas antes uma experiência enriquecedora. Se fôssemos felizes sozinhos não procurávamos parceiros. Mas um casal não constitui por si só a felicidade à prova do silêncio. As crises surgem inadvertidamente e há que saber sará-las com carinho, respeito e, porque não, humor.
O silêncio grita. Ou é disfarçado por palavras vazias. Calamos o que é importante, escondemo-lo do outro. Isso acontece quase sempre na expectativa de que esse outro repare em nós e seja ele a quebrar o gelo e a estabelecer o contacto. O silêncio pode ser assim, ainda, uma forma de chamarmos a atenção.
Na verdade, o silêncio continuará a ser sempre uma espécie de mistério, dando margem a infinitas interpretações. No entanto, o melhor é tentar identificá-lo antes de abordarmos o outro. Não o arrancar à força do silêncio, mas também não deixar a coisa arrastar por muito tempo. Devemos avançar com cautela. Tentar entendê--lo e fazermo-nos também entender, com muita calma, paciência e amor. Saber dissolver o gelo é uma arte. E quando queremos preservar quem temos ao nosso lado, devemos respeitar essa pessoa. Se a votamos ao silêncio, é quase um desprezo pelos seus sentimentos. Não percebemos que, ao punir o outro, estamos a punir-nos.
Em última análise, amamos por afinidade e por diferença. Os opostos atraem-se. E se de vez em quando nos irritamos e ofendemos, vale a pena cortar logo o mal pela raiz. O melhor é não deixar passar, não adiar, não engolir, mas antes enfrentar, custe o que custar, trazer o problema à luz do dia e falar, falar pelos cotovelos, como é apanágio feminino.
O diálogo será sempre o alimento do amor.